sexta-feira, 25 de abril de 2014

ATÉ OS CORPOS DAS MULHERES VIRARAM MERCADORIA?

Manuela Rodríguez Piñeres
Projeto Antonia- A luta de cada Mulher.
Artigo publicado no Jornal da Rede Oblata do mês de setembro de 2013.

Neste ensaio tenta-se iniciar uma reflexão a partir de alguns questionamentos quanto a este binômio: a exploração dos corpos das mulheres, em confronto com um direito cada vez mais vulnerado neste mundo globalizado: a valorização dos corpos das mulheres em sua integralidade, sem serem somente reduzidos a objetos de consumo, nesta sociedade marcada pelo materialismo  e consumismo.

A partir desta premissa e diante do crescimento com dimensões alarmantes da exploração sexual dos corpos das mulheres nestas últimas décadas, é bom aprofundar quanto aos fatores desse crescimento tentando descobrir até onde os corpos das mulheres são valorizados em sua totalidade sem reducionismos e até onde os corpos das mulheres, são fragmentados e em consequência se transformam só em objeto pornográfico e de exploração sexual respondendo mais a lógica del mercado que uma lógica da humanização.  

 Para avançar mais na reflexão se traz a tona os sinônimos que apresenta o dicionário online do português quanto ao termo exploração. Ele é equivalente a “especulação, abuso, exorbitância no preço de mercadoria, de serviço, de utilidade.”[1] Nesse sentido se podem levantar estas perguntas: Será que os sistemas de exploração e especulação acabam impondo seus parâmetros ficando as mulheres, especialmente as mais empobrecidas e vulneráveis, presas nessa engrenagem perversa e desumana? Será que estes sistemas, como o Capitalismo Neoliberal, hoje globalizado, está abusando e obtendo lucros exorbitantes da venda sistemática dos corpos das mulheres sejam adultas, crianças ou adolescentes? Para dar prosseguimento a estas provocações retomam-se as palavras de Renato Roseno[2] quem frisa que este sistema produz suas crises e logo gera estratégias de índoles diversas para tentar supera-las e mais uma vez com a táctica da EXPLORAÇÃO. Partindo dessa hipótese tem se incrementado o comercio dos corpos dos seres humanos, pretendendo dar soluções desumanas a essa crise que se globaliza sem limites produzindo lucros volumosos sem precedentes. Ousa-se afirmar que essas “soluções” são única e exclusivamente para atingir seus objetivos e traz como consequência a vitimização e exploração de inúmeras pessoas. Ao falar de um sistema que vitima se pode olhar para esta realidade a através da lente dos fatores, dentre outros, sócio econômicos, políticos e culturais. Inclui-se neste último aspecto o patriarcado e o machismo que perpetuam sistemas de exploração sexual e econômica das mulheres alicerçado em um modelo pornográfico e de caráter comercial. Sendo assim “constata-se na história que o corpo tem sido o maior espaço de opressão das mulheres (...) assim como também de outros grupos: indígenas, pessoas negras... [3].

 Essa opressão dos corpos das mulheres tem se constituído no embasamento da “comercialização e industrialização” desses corpos assim como das crianças e adolescentes.. Dizia-se que é outra das consequências da lógica capitalista que chegou ao topo máximo da desumanização transformando tudo em mercadoria, inclusive as pessoas. Nesta perspectiva a dimensão da economia torna-se já não uma forma de administrar a casa e os bens, senão uma “regulamentação da exploração dos seres humanos”, ou seja, a legitimação da chamada “mercantilização dos corpos” configurando uma cultura marcada pelo materialismo e coisificação das pessoas. Quanto a isso se pode suspeitar que emergisse uma espécie de cultura ou subcultura econômica. Nessa cultura, apresenta-se quase como uma exigência a venda e o consumo dos mais variados produtos e sustenta-se nas mesmas regras de mercado: uma oferta e uma procura de dimensões incontroláveis que atinge também a chamada “indústria do sexo”. Citando a cartilha Copa para quem?

  “A fórmula clássica é M — D — M (mercadoria, dinheiro, mercadoria), transformação da mercadoria em dinheiro e retransformação de dinheiro em mercadoria. A fórmula da exploração sexual ficaria assim M – D –M (mulher, dinheiro, mercadoria), transformação da mulher em mercadoria. Nessa fórmula exploração sexual significa atestar que a mulher é uma mercadoria. O capitalismo neoliberal tornou-se o principal motor do desenvolvimento da indústria do sexo, do tráfico de mulheres e de crianças para fins de exploração sexual.”[4]

 Em síntese:

 “A uma economia de mercado corresponde uma sociedade de mercado, com destaque para a expansão da mercantilização em todas as dimensões da vida humana. Isso se dá especialmente com a exploração do corpo das mulheres, desde a indústria da beleza, até o tráfico e a prostituição (...)”[5]

Nesta moldura mundial globalizada, as máfias criminosas que visam à comercialização dos corpos humanos promovem essa “indústria” como chance de para obter lucros rápidos onde “a saia justa” está na medida da exploração acirrada dos corpos de mulheres, crianças e adolescentes. Isto pode agravar-se no Brasil com a realização da Copa 2014 e os Jogos Olímpicos 2016. “Os megaeventos utilizam da mercantilização do corpo da mulher para lucrar com a indústria do sexo e o tráfico de mulheres”[6]
Dando uma passo a mais Richard Poulin faz uma síntese do que se vem refletindo:

 “A globalização da prostituição criou um vasto mercado de trocas sexuais, em que milhões de mulheres e meninas são transformadas em mercadoria de caráter sexual. Esta indústria é atualmente uma grande potencia econômica” [7]

No contexto explicitado anteriormente e a partir da experiência de abordagem as mulheres nos locais de prostituição chama-se a atenção sobre a brecha que existe entre o direito a valorização do corpo das mulheres em sua integralidade e a exploração das mulheres nesses locais construídos por e em função de um mundo materialista, sexista e patriarcal. A respeito disso e para suscitar o avanço no debate resulta interessante, à maneira de conclusão, levantar alguns questionamentos: Uma mulher poderá se apropriar da valorização integral de seu próprio corpo quando rotineiramente se tem que apresentar inúmeras vezes para que os clientes escolherem aquela que mais responde ao foco ou fantasia de sua procura? Porque nestes locais se tem subtraído as mulheres o direito a eleger o cliente com qual desejaria fazer seu programa? Por que elas se têm submeter ao valor padrão do programa, as normas exploratórias e vexatórias impostas pelos exploradores? Por que, nesta lógica do mercado se considera quase “natural” que ser explorada (o) seja um privilégio, e uma decisão livre? Quem decide sobre a venda dos os chamados serviços sexuais: a própria mulher ou os parâmetros impostos por um capitalismo neoliberal, patriarcal, pornográfico e hegemônico que regulamenta e legitima a exploração dos corpos das mulheres?

Em ressumo, porque é de trajetória milenar que as mulheres satisfaçam a procura predominantemente masculina dos chamados serviços sexuais?

A partir de destas perguntas e do surgimento de outras novas continua-se aprofundando sobre um tema desafiador, invisível e constrangedor  para muitos e  muitas e que convida-nos ao compromisso diante desta realidade. Também nos defronta a tomar a atitude e prestar atenção aos nossos próprios comportamentos, conceitos, preconceitos que as vezes sem consciência ou muito pouca, podem reforçar um sistema de exploração sexual dos corpos das mulheres, já sejam crianças ou adolescentes. E continuar legitimando que nesta sociedade tudo, absolutamente tudo, se transforme em mercadoria.

Manuela Rodríguez Piñeres
Projeto Antonia- A luta de cada Mulher.
Artigo publicado no Jornal da Rede Oblata do mês de setembro de 2013.




[1] Dicionário online de Português.
[2] ROSENO, Renato relatório do Encontro da Rede OSR, Belo Horizonte, 2013.
[3] RIBLA N° 25,. CARDOSO PEREIRA, Nancy, Pautas para uma hermenêutica feminista da libertação, pág. 8.
[4] COMITÊ POPULAR DA COPA, Copa para quem[4], Comitê Popular da Copa, São Paulo, 2012.
[5] Documento final do 9° Encontro internacional da Marcha Mundial das Mulheres, ADITAL NOTICIAS, São Paulo, 02/09/13.
[6] MORAES DA CUNHA, Mariana Cristina Integrante do Fórum Estadual de combate a violência contra a mulher RJ.
[7]POULIN, Richard, O caso de amor entre a prostituição e o capitalismo, UNISINOS, 28 DE ABRIL DE 2013.

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